Por que gosto de escrever?

Eu já lhe contei por que gosto de escrever?

Sempre gostei de contar alguns casos, mas sempre foram experiências com amigos e parentes, pessoas bem próximas.

Recentemente resolvi arriscar um pouco mais e passei a escrever algumas memórias. Não minhas: histórias do meu pai, com a intenção inicial de deixar algo escrito para os meus filhos. A empreitada me animou e transformei os textos em um livro. O livro me animou e resolvi distribuir a alguns amigos. Os amigos me animaram com alguns elogios e resolvi distribuir mais exemplares. A distribuição me animou e resolvi voltar a escrever.

No livro eu conto que meu pai era muito comunicativo e adorava conversar, encontrar amigos, contar casos. Acho que ali foi plantada a semente. Mas não era terra adubada. Eu era um adolescente quieto e tímido. A semente ficou guardada.

Quando você começa a namorar, se o namoro for sério, você ganha uma namorada e uma família toda. Então, depois que eu e Eliane começamos a namorar, fui convidado para um aniversário em Juiz de Fora, para conhecer minha nova família. Ganhei muitos tios, muitos primos e primas. Chegamos em uma casa tranquila, à beira de um lago com um barco a remo, ao pé de uma montanha, logo após um trecho de terra, uma porteira e um mata-burro. Ainda possuía um pequeno curral ao fundo do terreno. O melhor lugar do mundo para uma família estar.

E ali, no primeiro dia, eu admirava o lago quando meu novo tio chegou e me perguntou:

— Sabia que eu dava saltos ornamentais quando era novo?

Tio Lau era o anfitrião, estávamos na casa de sua família. Lau era seu apelido, originado do nome, Geraldo. Geraldo Sant’Ana, na casa dos 60 anos, à época.

— E como eram esses saltos? — perguntei.

— Comecei com trampolim de 5 metros de altura, depois fui até o limite máximo de 10 metros…

Ali ele me contou que participava de campeonatos de saltos em piscina, quando jovem, na época da escola. Ganhou muitos prêmios.

Conversado, exaltou que nasceu prematuro. “Cabia em uma caixa de sapatos, mesmo enrolado no manto”, ele dizia e ria.

Assim, animado e conversado, foi me contando várias passagens de sua vida e de empregos que teve. Trabalhou muito tempo na área de criação de motores. Entusiasmado, contou da participação do projeto de construção de um novo motor de um refrigerador e invenções para soluções de motores em automóveis.

Depois foi para o tema música e me contou de várias apresentações que ele fez como cantor. Tinha voz de tenor e suas audições tinham sempre músicas como Ave Maria e My Way. Gostava de Frank Sinatra. Se fosse música popular, suas preferias eram, naquela época, Ainda Ontem Chorei de Saudade e Seu Amor Ainda É Tudo.

Ele animado a contar, eu interessado em ouvir. Foram vários casos naquele dia, e ainda houve tempo de tocar violão para que ele cantasse suas músicas preferidas.

De volta à BH, o tempo passou e no final do outro ano, voltamos à Juiz de Fora, à casa do tio Lau.

Desta vez estava sentado à varanda, mas olhando novamente o lago e o barco à remo. O tio chegou e me perguntou:

— Sabia que eu dava saltos ornamentais quando era novo?

— Sabia sim, tio! Muito bacana isso! O senhor me contou no ano passado quando estive aqui.

Ao que ele me respondeu sorrindo:

— Não tem problema. Eu vou te contar novamente. E no ano que vem quando você retornar, eu conto de novo. São histórias da família. Se eu não contar, quem vai contar? Se ninguém contar, a história morre. É como se não tivesse acontecido.

E começou a contar as histórias novamente.

Com atenção, eu fiquei observando que ele tinha a mesma alegria e entusiasmo que teve à primeira vez. Sempre sorrindo, feliz pelas vitórias. Feliz por contar na participação na construção do motor do refrigerador e nas soluções para automóveis. Feliz por me contar sobre as músicas. E desta vez eu podia participar mais, tinha a memória do ano anterior, até o lembrei que o tom dele era muito alto para eu acompanhar. Feliz, ele cantou à capela alguns trechos ali na varanda.

Aprendi com tio Lau que contar dá prazer. Faz a história existir e persistir pelo tempo. Contar não deixa a história morrer.

Ele sempre gosta de contar os seus casos. Para mim, a percepção é que, além de contar, também gosto de escrever e assim vou procurar fazer de agora em diante. Foi assim que a semente guardada foi para uma terra adubada.

E quando eu lhe perguntar se já contei por que gosto de escrever, nem se preocupe em responder, apenas sorria, porque vou lhe contar novamente sobre esse meu aprendizado com o tio Lau.

E quero ter sempre a mesma empolgação do tio Lau quando recontar alguma história.

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